Concurso de Barra dos Coqueiros é anulado
A juíza Isabela Sampaio Alves, da comarca da Barra dos Coqueiros, decidiu pela anulação do concurso público da Prefeitura de Barra dos Coqueiros.
“Ao realizar o concurso público a prefeitura optou pela modalidade de carta convite, com a expectativa de que fossem inscritas cerca de duas mil pessoas, acontece que esse número foi de cerca de nove mil, e isso excedeu o limite para esse tipo de modalidade. Não foi má fé. Ninguém imaginou que chegaria a tantos inscritos”, explicou o secretario de comunicação da prefeitura, Carlos Diego Gonzaga.
Segundo ele a prefeitura vai recorrer da decisão: “vamos recorrer e esperar que o caso seja novamente analisado”, finalizou.
Leia a decisão na íntegra:
Processo Nº 20109000056
Ação Civil Pública
Requerente: Ministério Público Do Estado De Sergipe Dos Coqueiros
Requeridos: Município Da Barra Dos Coqueiros E ASSEPLAC – Assessoria, Planejamento E Consultoria Ltda.
DECISÃO
RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Sergipe intentou a presente Ação Civil Pública, com pedido de liminar, em face do Município da Barra dos Coqueiros e ASSEPLAC – Assessoria, Planejamento e Consultoria Ltda., objetivando a decretação da nulidade da licitação, na modalidade de convite, por ato de improbidade administrativa, decorrente de fraude no certame, bem como a anulação do concurso público 001/2009 realizado pela prefeitura de Barra dos Coqueiros e a referenciada empresa ASSEPLAC.
Em sua peça inaugural, suscita o Ministério Público: sua legitimidade diante do presente feito; o cabimento do manejo da Ação Civil Pública em casos desta espécie; a violação ao procedimento licitatório inerente ao fato; a violação aos princípios da Administração Pública; violação ao disposto no artigo 173 da CF e o reconhecimento da nulidade do contrato assinado entre as partes.
Finalmente, requereu a antecipação dos efeitos da tutela, para que seja anulado o concurso público em questão, tornando-se, conseqüentemente, sem efeito os atos subseqüentes decorrentes de tal concurso e, de igual forma, o bloqueio de toda quantia paga pelos candidatos ao Município requerido, ou seja, a taxa de inscrição, posto ser iminente o repasse do valor contratado à empresa ora requerida.
Com a inicial, juntou documentos de fls. 23/352, dentre estes: inquérito policial de número 067/2009; recomendação do MP no sentido da anulação do mencionado concurso público e a respectiva resposta da prefeitura de Barra dos Coqueiros.
Devidamente intimada às fls. 360, a Municipalidade apresentou manifestação às fls. 363/384 refutando, em síntese, a inicial, sob os seguintes argumentos: ilegitimidade passiva (não aplicação da lei de improbidade dos agentes políticos); ausência de dolo; inexistência de lesão ao erário. Juntou documentos de fls. 387/450.
Instado a se manifestar, o Ministério Público, opina pelo deferimento da medida liminar (fls. 451).
É o que impende a relatar. Passo a decidir.
FUNDAMENTOS
De início, reconheço o Ministério Público como parte legítima para demandar e defender interesses como os que compõem a exordial, consoante entendimento da Lei 7.347/85.
Pretende o Parquet a antecipação dos efeitos da tutela final para anulação do certame público em tela.
Analisando detidamente os autos, verifico que o postulante preencheu os requisitos para a concessão da tutela interinal. Primeiramente, a documentação adunada a inicial convence-me quanto a verossimilhança da alegação de fraude no procedimento licitatório realizado pelo Município da Barra dos Coqueiros, indicando que houve favorecimento da empresa requerida, com vulneração dos Princípios Administrativos da Legalidade, Impessoalidade, Probidade e Isonomia.
De logo, já causa estranheza a participação no procedimento licitatório, na modalidade carta-convite, apenas de empresas sem tradição de realização de certames públicos neste Estado, todas com sede no Estado da Bahia, deixando de fora da competição instituições de reconhecida notoriedade pela especialização técnica .
No mais, as investigações levadas a cabo pela polícia judiciária com atuação na Barra dos Coqueiros/SE apontam, ao menos em cognição sumária, típica das medidas de urgência, para existência de um esquema articulado para favorecer a empresa requerida ASSEPLAC em licitações no Estado da Bahia e em Sergipe através da anulação da concorrência entre os participantes do procedimento licitatório, que, em verdade, pertenceriam a um mesmo grupo.
Com efeito, dados existentes nos autos apontam anormalidades no desenrolar do procedimento licitatório, subtraindo-se dos demais fornecedores de serviço, com notória especialização na área, a possibilidade de competir, maculando-se, assim, um dos vetores do Princípio da Licitação, cuja existência serve aos postulados da eficiência, da maior vantagem para Administração e da igualdade de condições entre os administrados.
Ainda reforçando a tese do direcionamento da licitação em prol da empresa vencedora, ora ré, temos a irregularidade da eleição do procedimento de carta-convite, afinal o teto máximo para contratação através dessa modalidade é previsto pela Lei nº 8666/90 como sendo de R$80.000,00 (oitenta mil reais).
No entanto, o contrato do município com a empresa ASSEPLAC (f. 86) prevê a variação, para maior, do preço pago a vencedora, de acordo com o número de inscritos, levando ao aumento exponencial da receita a ser auferida pela contratada, se levada em conta o valor unitário da taxa de inscrição e a existência de número de inscrições muito superior a estimativa editalícia de 2.000 inscritos.
Uma vez admitida a fraude, evidencia-se violação a interesse público suficiente para gerar a anulação imediata do concurso sob exame, tornando-se sem efeito as convocações e nomeações, se realizadas, e os demais atos delas decorrentes.
A alegação de existência de irregularidades na aplicação da prova e de favorecimento de pessoas vinculadas a administração pública, por sua vez, dependem de prova a ser produzida em instrução exauriente, contudo, reforçam a cautela da decisão incidental de anulação, evitando-se o prejuízo decorrente da nomeação e posse dos aprovados para o caso de confirmação, em cognição exauriente, das ilegalidades apontadas.
De qualquer forma, com o dito, a evidência documental de vícios no procedimento licitatório revestem-se, por si só, de eficácia para fundamentar a invalidação, em tutela antecipada, do ato administrativo ilegal ou ilegítimo.
Foi exatamente como decidiu o MM. Juiz titular da Comarca de Ribeirópolis, Dr. Paulo Roberto Fonseca Barbosa, no dia 17 de novembro de 2009, acatando Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público em desfavor do Município de Nossa Senhora de Aparecida/SE e da empresa ASSEPLAC por fundamentos de fato e de direto em tudo semelhantes aos que embasam a postulação ora em análise.
Segundo o ilustre magistrado:
“A probabilidade da existência do direito alegado pelo requerente (prova inequívoca tradutora de verossimilhança das alegações autorais) me permite reconhecer, in limine, o previsto pelo artigo 273 do CPC.
In casu, a documentação acostada revela, sobejamente, a fumaça do direito exigido para pronunciamentos desta ordem, ao passo que a iminência de realização do certame e repasse de parcelas à empresa contratada revelam, indubitavelmente, a necessidade de pronunciamento judiciário diante do perigo que possa a surgir com a demora, materializando o fundado receio de dano de difícil reparação.
Mais detidamente, vislumbro às fls. 110/128 e 140/147 fatos que, desde já, merecem acurada atenção, pois, dum só arremate, revelam indícios de anormalidade ante a lisura esperada do desfecho licitatório, bem como suposta desembocadura em figuras ilícitas tipificadas no ordenamento pátrio. No mesmo passo, por meio do documento de fls. 107, constato que a empresa contratada vem sendo acusada de participação em fraudes perante outros Municípios Sergipanos, a exemplo do Município de Barra dos Coqueiros, fato este que redobra a cautela ora dispendida.
Por certo, dentre os princípios norteadores do procedimento licitatório, destaco o da Igualdade entre os Licitantes, o da Vinculação ao Edital, o da Competitividade e o da Probidade e Moralidade Administrativa. Entretanto, a documentação adunada aos autos, juntamente com as colocações asseveradas na inicial, revelam, a rasos olhos, a mitigação, ao menos em tese, destes princípios por parte dos Requeridos.
Nesse passo, diante da robustez das colocações Ministeriais, entendo prudente reconhecer o preenchimento do exigido no artigo 273 do CPC para, em seguida, suspender a realização/prosseguimento do concurso sub examine, com o regular bloqueio de toda a quantia paga pelos candidatos ao Município Requerido, a título de inscrição.”
De outro lado, o aguardo do resultado final do processo, representaria grave risco de lesão irreparável ao interesse público, eis que já consumadas as convocações dos candidatos aprovados no certame público em tela, sendo iminente a nomeação para todos os cargos.
Em situações análogas, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“REsp 239303 / BA - ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - EVIDÊNCIAS DE FRAUDE - ANULAÇÃO - DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE (ART. 105, III, "C", DA CF C/C ART. 255 E PARÁGRAFOS DO RISTJ) - INFRINGÊNCIA AO ART. 535, II DO CPC DESACOLHIDA - AUSÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO.
1 – omissis
3 - Ante a evidência de fraude no Concurso Público, consoante farta documentação acostada aos autos (07 volumes em apenso), bem examinadas na r. sentença monocrática, deve a Administração Pública anulá-lo, em observância aos princípios da moralidade, legalidade e impessoalidade dos atos administrativos. Vislumbrada a lesão ao erário público, não podendo esses atos serem convalidados, diante da situação irregular dos candidatos aprovados e nomeados, o novo Chefe do Executivo Municipal tem o poder-dever de revê-los, posto que se o agente que o praticou buscou uma finalidade alheia ao interesse público, diversa da prescrita em lei, usando de seus poderes em benefício próprio ou de terceiros, tais atos são inválidos, uma vez que eivados de vícios de nulidade desde o nascedouro, não acarretando qualquer direito a seus beneficiários.
4 - Precedentes (RMS nºs 52/MA e 7.688/RS, ambos desta Corte, e no RE nº 85.557, do STF).
5 – omissis
DISPOSITIVO
1 - Ante o exposto, DEFIRO a liminar requerida para determinar:
a anulação do concurso público 001/2009, com a suspensão ou revogação de todos os atos dele decorrentes, inclusive convocações, nomeações e posse dos aprovados, imediatamente após a ciência da presente decisão, sob pena de incorrer em multa diária no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil) reais, a ser revertido ao Fundo Estadual da Criança e Adolescente e suportado, pessoalmente, pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, sem prejuízo do seu aumento ou da adoção de outras medidas que se fizerem necessárias ao fiel cumprimento desta decisão;
O bloqueio de toda quantia paga pelos candidatos ao Município requerido, a título de inscrição no concurso público destinado ao preenchimento de vagas do quadro de seu pessoal permanente. Em caso de não ter sido procedido o repasse à empresa ASSEPLAC, promova o Município, no prazo de 05(cinco) dias, o depósito do montante arrecadado em conta judicial, sob pena de sequestro do valor por ordem judicial. Na hipótese do dinheiro já ter sido repassado a empresa ré, promova a ASSEPLAC o depósito mencionado, no mesmo prazo, igualmente sob pena de sequestro;
2 – Determino ainda:
Intimem-se os requeridos, dando-lhe ciência desta decisão, ao tempo em que se promova a citação para, no prazo de lei, apresentarem resposta;
Em havendo apenas contestação, se levantadas preliminares (CPC, art. 301), manifeste-se a parte autora em 10 (dez) dias, inclusive acerca de eventual alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de seu direito, bem como sobre os documentos apresentados (CPC, arts. 326 e 327);
Se houver juntada de novos documentos com eventual réplica, vistas à parte ré por 5 (cinco) dias (CPC, art. 398);
Seja publicado edital, no Órgão Oficial, a fim de que os interessados tomem ciência da propositura da presente ação, bem como desta decisão.
Quanto aos demais requerimentos formulados pelo MP, manifestar-me-ei após o prazo de resposta concedido aos requeridos.
Barra dos Coqueiros, 12 de fevereiro de 2010.
ISABELA SAMPAIO ALVES
JUÍZA DE DIREITO
DGT/LM
Isabela Sampaio Alves
Isabela Sampaio Alves
Juiz(a) de Direito
Fonte: emsergipe.com
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